Facebook: uma comunidade?

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Convivemos com os avanços da pós-modernidade, assim denominada no século XX, quando houve a queda do Muro de Berlim e passou a prevalecer o capitalismo contemporâneo. É vista pelos mais céticos, como a época da desvalorização  e das trocas de valores. Mas suas conquistas tecnológicas são incontestáveis: o Tablet, que meu netinho de 4 anos, de pura sabedoria cibernética própria da "geração z", sabe manejar. Habilidosamente constrói os seus joguinhos de memória. Sabedoria pura! Espetáculo! Celulares que nos conectam aos confins mais recônditos do planeta. Computadores, Câmeras digitais, Câmeras de vigilância a nos proteger, GPSs, IPhones, IPads..IPods... enfim, este aparato todo foi criado  pelo homem em sua ânsia de superar-se . Até quando? Aonde vai parar? Não sei, às vezes me parece infinito. Espero que o homo sapiens (para mim é assim agora sua verdadeira denominação), não se perca nestes formidáveis meandros de sua própria criação.

E o Facebook! O nosso meio de comunicação virtual. Muitas vezes nos enamoramos dele ou nele. Recebi compartilhada, uma charge, uma tirinha primorosa inspirada na técnica psicanalítica :

O terapeuta, sentado no setting psicanalítico,  pergunta ao paciente recostado no divã:
- "Como é sua primeira consulta, vamos fazer um pequeno inquérito. O senhor tem muitos amigos?"
O paciente:
"Não sr. doutor. Só tenho Facebook".

É claro que isto instigou meu olhar, meu re-olhar, um pensar a minha prática enquanto psicóloga  e  ao mesmo tempo me fazer presente  nesta "comunidade" com uma certa frequência.

...ao postarem, ao curtirem, passam exatamente a sua realidade.
O Facebook. O que é o Facebook?

Ouvi do psicanalista Contardo Calligaris : "...as máscaras que usamos no Facebook são como as outras tantas que usamos na vida em outras situações". Então, lembrei-me do lado A e do lado B das pessoas, da caixa de Pandora de cada um de nós. Uma pessoa tímida poderá parecer descontraída em  seus diálogos e postagens, a pessoa pudica poderá mostrar seu lado um tanto expositivo e sem censura, postar conteúdos vexatórios que jamais falaria ou iria referir-se na vida real; sempre um perfil que nem sempre condiz com sua própria verdade, ao passo que outros ao postarem, ao curtirem, passam exatamente a sua realidade.

Na verdade, o mundo Face  permite que, ao abrir a página, vejamos que curtiram nossos comentários e a sensação é a de pertencer, de fazer parte de um grupo, por ele sermos acolhidas. Ou rejeitadas. Isto faz pensar que nascemos, crescemos e morremos ligados a um grupo social: um dos pilares da Psicologia Social que  me acompanha desde eu - filha até eu - avó. Somos seres gregários , precisamos viver em grupos. Agora estamos constituindo grupos virtuais que muitas vezes irão concretizar-se em um mundo real: movimento incrível da capacidade humana em agregar-se, na necessidade de um olhar, felicidade estampada no olhar curioso de expectativas, e a presença do toque, no real abraço como  inerente ao ser humano.Um reencontro : do virtual e do real.

Grupo! Desde a Grécia Antiga, existia Ágora: era como se chamavam as praças públicas, onde os cidadãos se reuniam para tomar decisões referentes às suas cidades ( Pólis), principalmente em Atenas. Era o símbolo da democracia ateniense. As decisões eram compartilhadas em grupos.

Passa despercebida por muitos, mas será que não estamos revivendo uma Ágora virtual que o tempo e no século 20 e 21, Steve Jobs, gênio visionário criativo, aperfeiçoou? E que Mark Zuckerberger tem a seu domínio, a rede social Facebook? Marc já processou uma revista que publicou documentos e informações sobre seu passado. Estranho, para alguém que criou uma rede social que se baseia na partilha de informações pessoais e para cumprir uma missão social: tornar o mundo mais aberto e interligado. Parece que criou uma  tecnologia para isso, diz que a "partilha é o futuro", conforme as informações midiáticas trazem.




E já ouvi o inusitada colocação: nesta segunda década de 2000, estamos vendo somente a ponta do iceberg! E então? Sugere que muitas novidades aparecerão, para a perplexidade de muitos.

Muitas coisas  acontecem no Face.A realidade é que a importância de compartilhar experiências, sentimentos, histórias, fotos de família, histórias de vida se atravessam na dimensão heterobiográfica das biografias da vida. O que compartilhar? O que se faz em comum, as afinidades, as implicações da cada um- histórias de vida; vida- partilha de vida: uma comunidade que se processa, momentos que se vive. E o que é Comunidade? Uma potência de nossa existência. Se constrói o comum: surgem questões de solidariedade no contato virtual, muitas vezes virtual-real com o outro.

O Facebook possui também uma ética; existem livros e artigos. As pessoas sensíveis detectam por si só estas regras mas parece , às vezes, que estamos pisando em um campo minado onde uma vírgula, um ponto pode desvirtuar o que se está digitando.Então, cuidemos da ética singular do Face.

E também, cuidarmos dos efeitos do uso abusivo da internet, se faz necessário.


Não podemos negar que é fascinante sabermos que temos o mundo em nossa frente, com um clique no mouse; a sofisticada tecnologia cresce em alta velocidade, derrubando fronteiras. A realidade virtual existe num mundo on line, onde o espaço, o tempo, geografia , identidade e cultura, parece não terem fronteiras.

Mas e os efeitos em nossa vida psíquica e  relacional? Trata-se de um mundo virtual bastante sedutor e que pode interferir  no mundo real. Importante cuidar para que a identidade do ser humano não seja " tragada" pela virtualidade; é preciso saber usar a internet, buscando nela não o uso abusivo e obsessivo mas o que a mesma tem a nos oferecer em termos de informação, lazer e entretenimento. Existem riscos comprovados através de pesquisas:  a Internet pode ser prejudicial à formação e conservação de vínculos interpessoais, levando  ao isolamento e solidão através da relação abusiva: homem-máquina. Temos que ser sábios e conhecer  nossas limitações.


Por sua vez, parece que novos olhares fazem com que nos identifiquemos com " A Insustentável leveza do ser"..  De  ser Face. Milan Kundera, escritor checo do século passado, me proporcionou ler duas , tres vezes sua obra, que  tornou-se um mito.Preconizava  não   cometermos o erro da mesmice; neste século parece que a mesmice está entrando em desuso.Vejo também uma dialética entre o real e o virtual. Deleuze já confirmava sua existência nas relações reais, como gênio crítico da dialética. Então, parece haver uma confirmação do que se pensava num passado não remoto.

Enfim, temos um "tom" ao escrever uma crônica, um texto; o Facebook também tem seu tom, com o estilo próprio de cada um ao postar, assim como ao dialogar no mundo real. A tecnologia proporciona isso: a criação literária determina uma rotina mas quando não existe o prazo de entrega, ela mesma faz seu ritmo. E a crônica traz  a liberdade de escrever!


3 comentários:

virgínia além mar floresta vicamf / disse...

querida Sonia,escreves mto. bem, parabéns. O bom senso é sempre bem vindo! abraços afetuosos, de quem gosta de corresponder-se por e mail... tua virgínia vicamf@yahoo.com.br
blog- http://alemmarpeixevoador.blogspot.com/

Margaret Leão disse...

Sonia! Parabéns, belíssimo texto! Achei o assunto muito importante para ser divulgado atualmente. Temos que estar conscientes e informados do que todas estas tecnologias podem nos trazer.Continue sempre com teu Blog!Abraços querida amiga!

renata lehmann disse...

muito importante pensar nos dois lados dessa tecnologia que pode nos ajudar muito na comunicação mas também nos deixar expostos, quando mal utilizada. Ja estão usando o FB para avaliar pessoas que se candidatam a emprego, para avaliar nos processos de separações e imposto de renda etc.
Por isso tudo, gostei demais da tua crônica, pois abordaste de uma maneira divertida, sem deixar de lado a visão psi, presente em ti e em todos teus escritos.
Valeu, Sonia! Aguardo o proximo!