O Stress Pós - Trauma, como consequência da tragédia de Santa Maria.

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Santa Maria da Boca do Monte nunca mais será a mesma.

Santa Maria da Boca do Monte, 27 de janeiro de 2013. Esquecer esta data, jamais.

A noite dos desesperados. A escuridão e o silêncio apenas cortado pelos chamados mil vezes repetidos dos familiares que jamais seriam atendidos, pois as vozes de seus filhos calaram-se para sempre. Os celulares, apenas ferramentas sem dono nem referência. Me parecia  ser  este o cenário, à medida que ia tomando conhecimento dos acontecimentos funestos, da noite de horror. De "Gritos e sussurros" como o filme do sueco  Ingmar Bergman, que marcou minha geração. Mas com uma diferença : não  somente uma pessoa vitimada lentamente por câncer no século passado como protagonista, mas centenas de jovens. Corações que paravam de bater. Um a um. Universitários que confraternizavam, juntando recursos para o desfecho feliz de festas de suas formações, não existiam mais. Passava como um filme estas cenas imaginárias. Tudo que marca, torna-se eterno em nossa mente.

Santa Maria da Boca do Monte, (assim denominada porque situa-se aos pés de morros e serras do Rio Grande do Sul),  entra para o inconsciente coletivo como morada da mais profunda dor, onde uma fumaça inalada foi mortal. Tragédia incinerando vidas e enlutando mais de 200 famílias. O caos familiar.
Incredulidade, perplexidade, não encontramos muitas vezes a palavra certa. Mas esta não importa, porque jamais iria descrever os sentimentos de todos nós.
Através das Redes Sociais, pudemos conferir instantaneamente o que estava acontecendo. Horror, horror, terrível constatação. Com  a família, com amigos e no Facebook, pudemos trocar mensagens, sendo possível assim expressar  nossa solidariedade.Fazer a nossa parte. Não foi possível calar. Assim tornava-se menos solitária nossa dor. Precisávamos dar vazão às emoções, ao luto que já percebíamos instalar-se.

E os sobreviventes? Os queimados?


Para mim,estava interditado admirar o céu azul mas sim o cinzento da tristeza.
 Transportados em helicópteros  lotaram o setor dos queimados dos hospitais. Sobrevoavam os céus cor de anil deste domingo terrível, transportando os feridos para a nossa capital. Aí então, senti este azul acizentar-se. Para mim, estava interditado  admirar o céu azul mas sim o cinzento da tristeza.

Pois estes sobreviventes, que  são ao redor de 130,além de precisar re-viver seu organismo tênue e intoxicado, necessitam de atenção às suas manifestações psicológicas, provenientes deste trauma junto aos familiares de seus amigos.

Surge então, nossa preocupação em relação ao Stress pós-trauma. Várias tragédias similares de incêndios, aconteceram. Também inesquecível foram  os ataques suicidas às Torres Gêmeas de Nova York, onde o enfoque a esta manifestação de stress, foi muito estudado e utilizado em relação aos sobreviventes, aos familiares, aos bombeiros. Estudos na ocasião, levaram os pesquisadores a encontrar sintomas em bombeiros que trabalhavam no resgate das vítimas e familiares. Dados comprovaram que , a partir desta tragédia, 100.000 novaiorquinos começaram a sofrer de Stress Pós - Trauma. Isto foi visto em um Congresso Internacional de Stress, onde nos foi mostrado que sobreviventes, familiares e amigos das vítimas, policiais,  nos EUA, foram acompanhados por profissionais em Stress.
Importante saber que o Stress Pós -Traumático, trata-se de um fenômeno psicológico descoberto nos Estados Unidos no século passado em estudos com soldados sobreviventes da Guerra do Vietnã, que começaram a apresentar ansiedade, pesadelos, fobias, pânico.
Tentar ter uma idéia do que seja o impacto da devastação física e também psicológica destes episódios, só é possível teóricamente. Perdas trágicas e catastróficas estão inexoravelmente ligadas à .traumas psicológicos.

Devemos estar atentos: o Stress Pós - Trauma poderá surgir nos sobreviventes  e familiares, aqui perto de nós.
Existe um limiar de tolerância ao que elas vivenciam
Uma situação traumática, de tal intensidade como a tragédia de Santa Maria, poderá afetar
pessoas que tem uma estrutura mais frágil para lidar e enfrentar situações que exigem mais e mais Resiliência ( força interna em enfrentar situações difíceis) e mesmo as mais centradas, podem sofrer  descompensação psicológica.
Existe um limiar de tolerância em relação ao que elas vivenciam e quando este limite é ultrapassado, poderão desenvolver sintomas como pesadelos, terrores noturnos, momentos importantes de flashback: a sensação de estar revivendo a situação traumática, como se fosse um filme. Reações depressivas podem acontecer e também a evitação de situações que lembram a tragédia. Com o passar do tempo, desenvolve-se um estado depressivo crônico acompanhado de apatia, irritabilidade, desinteresse.

A rede de APOIO SOCIAL, formada por familiares, amigos, surge como importantíssima nestes momentos, através da escuta solidária frente à extrema dor.

No entanto, sabemos que a tragédia não tem lógica. Não se explica o inexplicável.

Santa Maria parece já ter um Memorial para reverenciar os mortos: a frente do lugar do evento. Impossível agora associa-lo  à  KISS. O beijo lá não terá mais lugar. Flores depositadas ali depois de uma passeata no local e  depoimentos de sobreviventes com sentimentos dúbios de terem  sobrevivido: valeu a pena? e os amigos? Cruel realidade. Difícil superação.

Impossível agora associa-lo à KISS. O beijo lá não terá mais lugar.
Que o tempo ajude as famílias na procura da superação das perdas. Será possível?

Santa Maria de Boca do Monte nunca mais será a mesma!




Reality Shows: uma leitura psicológica.

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Sabemos que o programa Big Brother , surgiu há 13 anos como uma nova modalidade de entreterimento na TV brasileira. O Surviver americano,  foi o pioneiro  sucesso da mídia em termos de teledramas da vida real e o Big Brother é cópia ou reprodução  de programas do gênero na Europa, onde aliás, faz muito sucesso. Trata-se portanto, de um fenômeno midiático explicado por um inconsciente coletivo identificatório  independente da cultura, pois os fenômenos mentais analisados neste caso, parecem universais. Admirados por uns e odiados por outros, preenchendo vazios existenciais de muitos ou proporcionando identificações em outros. Ou então, simplesmente "ver por ver", sem nenhuma pretensão de intelectualidade ou interpretações moralistas , um simples olhar na tela que não diz nada.
.......seria sentir a mesma emoção de espiar pelo buraco
da fechadura, sob o ponto de vista da Psicanálise

Existe a possibilidade de voyeurismo quando  sentimentos primitivos do telespectador são despertados: espreitar a vida alheia, a imaginação do que se passa sob um edredon, seria sentir a mesma emoção de espiar pelo buraco da fechadura, do ponto de vista da Psicanálise. Freud explica o voyeur como uma forma de privilégio, que habilita ver o proibido. Ocorre um mecanismo de identificação, em certos aspectos, e de poder verificar afinidades.

E porque o sucesso destes programas?

Este segmento, com o auxílio da tecnologia, apresenta um espetáculo que encanta muitos daqueles que ficam do outro lado, como um auto-retrato. Votando, escolhendo e isto proporciona ao telespectador uma sensação de poder, pois excluir os participantes, como parece acontecer, motiva narcisicamente o público.
Milhões de nossa moeda são gastos, sabemos disto. Manter a audiência é o alvo principal mas discorrer sobre isso aqui, retira o foco, assim como desvirtua  o olhar psicológico ao qual se propõe este texto.

E quanto aos personagens da vida real? Quais as consequências psicológicas do confinamento, para os mesmos?

O lidar com a fama repentina e com  a condição de passar de anônimos à heróis de uma forma tão meteórica, é uma situação de limite psicológico. Difícil manter-se no topo da fama, lidar com o papel de mito. Sabe-se de casos na TV européia, onde personagens de reality shows passaram por momentos profundamente depressivos. A competição pode levar a um stress importante, após longas exposições.                 

Jogar: interessante  perceber  a competição que se estabelece entre eles, mais parecendo  um jogo de xadrez num tabuleiro metafórico, no qual são estudados astutamente os momentos decisivos para o xeque-mate! E como resultado, um perdedor no jogo para a fama.
..os desempenhos mais performáticos, estratégicos, sensuais,
são variações uteis ..

E então, poderíamos fazer uma analogia à Teoria do grande pensador  Charles Darwin. Seu pressuposto"os mais aptos sobrevivem",  que deu lugar ao Darwinismo social mais contemporâneo, pode ajudar a entender  que os desempenhos mais  performáticos, estratégicos, sensuais, são variações úteis que certos participantes detém; são mais hábeis sugerindo assim a inferioridade do outro menos hábil. Poderia se falar em  uma terrível  Eugenia inconsciente, rotulando as pessoas como aptas a ganhar o jogo em detrimento do perdedor inapto. Assim, são excluídos através do jogo e   com táticas estratégicas e planejadas numa seleção nada natural e muitas vezes maniqueísta.

Enfim, a nós compete a responsabilidade: o livre arbítrio de escolher entre o lazer proveitoso ou  espreitar momentos muitas vezes bizarros e patéticos.