Rio de janeiro, 1975 - " Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil".... Exuberante cidade a qual, ao contemplar, lembrei de imediato dos belos versos com os quais um artista inspirado, André Filho, parceiro musical de Noel Rosa, presenteou o Rio com a mais linda marchinha consagrada como hino oficial da cidade.
Museu Imperial - Petrópolis-RJ |
Expectativa! Finalmente a entrada no museu. O guarda! Agora sei que todos os museus tem guardiões.Necessitam deles. Este, lembro que educadamente solicitou que tirássemos os sapatos. Substituídos por chinelos disponíveis para os visitantes , se andava confortavelmente pelos belos corredores. Feito isso, começou um longo, repeitoso e encantador andar pelas galerias. Um cheiro misterioso, bom de sentir, afinal era exalado pelas paredes de séculos de cultura e história. Um a um, quadros, fotos do Império, foram contemplados. O acervo do museu é constituído de peças ligados à Monarquia brasileira . Lindos mobiliários, documentos. Obras de arte, objetos pessoais desvelando o cotidiano da família real. Penso que senti uma estranha intimidade. E lembro de ter lido em algum documento disponível, naqueles corredores soberanos e silenciosos, que Saint -Hilaire e Charles Darwin lá estiveram! Encantadora surpresa!
Estava feliz em conhecer um mundo que começava a se revelar para mim.O que se ouvia eram sussurros, intensos, que mais tarde, décadas depois, ouviria no Louvre, ou em Firenze onde contemplei por muitos e muitos minutos , nem sei por quanto tempo, impávida, a escultura encantadora e polêmica por suas proporções, de David, e então entendi porque reza a lenda, que Michelângelo quando a concluiu gritou: "FALA!".
Gravura de David, de Michelângelo-Firenze Janeiro 2004 |
Ou no Castelo de Fontainebleau, no sudeste da França, um dos maiores chatêaux reais, quando visitei a alcova de Napoleão Bonaparte, e soube que neste castelo ela assinou sua abdicação.Espetáculo!
Chateaux de Fontainebleau-2009-França |
Chatêaux de Fontainebleau- 2009 - França |
Mas quando visitei o Museu Imperial, estes vôos tão magnificamente altos , não faziam parte de sonhos dos meus então 27 anos. Nem sequer existiam neles, porque não havia espaço. Este eu carregava comigo. Se formava em meu ser, o que eu considerava a mais linda obra de arte: minha filha.
Este eu carregava comigo. Se formava em meu ser, a mais linda obra de arte: minha filha Dez,1975 |
Pietá de Michelângelo- Foto- 2004 |
Era hora de voltar e descer a serra. Anoitecia e uma garoa fina caia deixando a visão do oceano muito especial.Uma bruma misteriosa abraçava a baía da Guanabara, o Cristo Redentor,...que lindo! Deliciosa e inesquecível imagem.
Chegamos na Av. Nossa Senhora de Copacabana: parada num supermercado para comprar algo para os anfitriões, que esperavam nossa volta com alegria.Na saída, o susto!O inesperado. A chuva caía naquele asfalto,molhando um chão desconhecido a refletir faróis. Enquanto esperava que me pegassem para ir ao hotel, encontrei abrigo embaixo de uma marquise cinzenta e úmida, entre os prédios famosos por sua arquitetura art-decô de Copacabana. Observando distraída, imaginava o hall de entrada revestido de mármore. Foi quando percebi que alguém se aproximava em minha direção.Um movimento brusco e então me senti invadida: só pude ver o rosto de um homem jovem, que arrancou de supetão minha corrente do pescoço. Levou com ele um lindo presente, de grande significado.E lá, em meio ao trânsito, a vislumbrei balançando nas mãos de um ladrão em disparada por entre os carros, o pior ladrão do mundo, pois levava um pouco de mim. Eu me sentia assim, invadida. Perplexa e indignada, chorei. Doia meu pescoço marcado.
Assim foi minha situação como vítima da violência. Triste experiência numa " Cidade Maravilhosa" da década de 70.Uma realidade assustadora que não conhecia.
Nunca mais vi meu presente mas vejo a cena: flash backs da violência às vezes ainda me surpreendem.
E agora, no início deste milênio, necessário precaver-se aqui, nesta cidade de aproximadamente 250 mil habitantes, que me acolheu há quase 4 décadas, quando não existiam medos de assalto, de sequestros e desta violência que vem ceifando vidas e enlutando famílias inconsoláveis: perder um filho é ir contra o Ciclo Vital, "nadar contra a corrente". Sofrimento cruel! Destes que não adianta tentar explicar o inexplicável.
De modo providencial e necessário, movimentos nas redes sociais e na comunidade, mobilizam-se efetivamente a fim de encontrar um caminho que leve à luz no final do túnel: o controle da criminalidade.Vozes se unem num clamor quase deseperado de um desfecho com soluções urgentes.
Escrevi há 10 anos, um artigo: "Violência: um mal - estar na cidade", que foi publicado no jornal NH, na coluna Opinião, e me parece agora,uma pré-visão de como iria evoluir a situação de violência que assola nossa cidade, de maneira trágica.
Mostra que o medo não é somente de hoje, ele vem crescendo proporcionalmente, e é legítimo. E me pergunto: até quando?
Eis o texto:
"Violência: um mal estar na cidade
Ao pensarmos em nossas vidas, constatamos que nascemos e vivemos no século mais cruel e violento da história da humanidade. E no início deste milênio, convive-se diariamente com um massacrante desrespeito aos direitos humanos: a violência, que se manifesta por meio de assaltos, sequestros, enfim, a criminalidade e a delinquência estão tomando proporções assustadoras.
Sabemos que nossa cidade caminha para uma urbanização crescente; a vinda do trem, por exemplo, é um indicativo disto. Mas temos que pensar também, nos reflexos deste crescimento em nossas vidas.
Percebe-se que há um mal-estar , um medo generalizado, uma sensação de vulnerabilidade e isto por sua vez gera um clima de tensão que pode repercutir na saúde mental das pessoas, como paranóia, pânico, angústias, levando-as a estarem sempre vigilantes, com medo intenso de sairem às ruas.
Uma situação traumática, como um assalto, sob o ponto de vista psíquico, poderá afetar as pessoas que não possuem estrutura psicológica para lidar de forma satisfatória com a situação. Até as menos frágeis e mais resilientes, podem sofrer um processo de descompensação psicológica.
Existe um limiar de tolerância própria de cada pessoa em relação ao que ela experencia. E quando este limiar é ultrapassado, ela poderá desenvolver o Estresse pós-traumático, ou seja, a experiência de agressão é vivenciada como um trauma. E, após situações violentas não assimiladas , pode desenvolver instabilidade emocional e estados constantes de ansiedade e outras manifestações psicofisiológicas.
Sabemos que a violência é comum nos grandes centros, os quais servem como verdadeiros laboratórios para a criminalidade. Então, nossa cidade, parece sofrer os reflexos disso.
Cabe também pensar a violência como consequência de um fator maior: sua fonte é bem primitiva e está na degradação familiar, no desamor infantil, na perda dos valores. E também da marginalização consequente da situação sócio econômica, o que pode levar à drogadição e à perda do rumo.
A direção torna-se uma só. O cidadão como vítima destes instintos violentos e perversos, dos assaltos e outras agressões à dignidade."
21 de agosto de 2002
Texto publicado no Jornal NH -21/08/2002 |