A chuva e a mãe natureza

|











  

          



Muita, muita chuva nas pedras da minha rua. A visão de um espelho d´água vitrificado traz recordações.

Não sinto mais o cheiro puro da grama molhada de minha infância. Também não esqueço de um passado recente....daquele espaço onde meus pés quase tocavam a terra úmida enquanto andava pela casa estrategicamente construída quase ao rés do chão.. um tabuão lindo e lustroso me separava da terra que deixava brotar a " Sempre verde", o tapete verde  da natureza.  Caiam pingos de chuva de um céu choroso no gramado caprichado do meu viver.. do meu fazer prazeiroso. A arquitetura posicionara a queda da chuva, exatamente nos seixos que tiraram do fundo de um rio que ficou triste.Foi enfeitar a linda casa de alguns anos distantes....

Agora, vários andares e o barulho dos elevadores me separam da pátria terra. Não ouço mais o "ritmo dos pingos da chuva ao cair no chão.. só me deixam recordar" como aquela antiga música. Eles caem nos motores dos ares condicionados. Sons metálicos... Ali eles marcam a sua queda e não formam mais aquela orquestra de pingos de chuva que caiam nos seixos e nas flores. Embalavam meu sono... Agora,observo da janela os cúmbulus - nimbus, as nuvens pesadas se aproximando, possantes. E depois do raio caído, o trovão da brava natureza. Sim, mãe que chora pela ingratidão de seus filhos.




Me pergunto: porque gostar tanto de chuva? Das "lágrimas do céu"? Assim eu a interpretava enquanto crescia. Porque ela me aconchega, me envolve , me "acalma a alma"?
Deve ser o inconsciente infantil aquele bem primitivo de amnésia dos primeiros 4 anos.Não recordamos nada! Vazio total para lembranças não traumáticas. Mas, lembro da casa da minha avó, do puxa-puxa que ela fazia nos dias de chuva. Ficava com os dedos marrons de melado.. doces lambuzados que jamais esquecerei. Penso então, que minha mãe me acarinhava mais nestes dias de choro do céu, renovando a natureza. Procuro explicações.. muitas pessoas não gostam de chuva. Talvez minhas pernas eram molhadas suavemente pela chuva de minha meninice da cidade do interior. Enquanto caminhava, sentia o cheiro da terra vermelha... onde tudo parece mais genuíno, mais terra, mais ar, mais infância. Só pode ser isso, penso enquanto olho o céu gris, tentando ver o horizonte tapado pela névoa molhada.



Mas, quando a natureza chora demais, acontecem tragédias, eventos da natureza. Respostas que ela dá aos que ela desrespeitaram. Nós.. nós mesmos.




 Uma questão de cultura. Em minha geração, não nos ensinaram o suficiente sobre os caprichos da mãe natureza e agora estamos tentando reparar este erro, ensinando aos nossos filhos e netos a respeitá-la, acarinhá-la. A escola continua este processo em seus ensinamentos cognitivos e dinâmicos mostrando que a mãe natureza está muito revoltada, muito triste, foi maltratada por muito tempo. Lixos malcheirosos entopem bueiros,o gás carbônico dos carros deixa as folhas verdes das árvores cobertas de cinza turva. Está quase agonizando. Mas num quase ressuscitar, ei-la guerreira se revoltando com uma fúria incontida, alagando, o vento derrubando, tsunamis destruidores dilacerando seios familiares. Enchentes traumatizam a alma de muitos semelhantes. Sem piedade,certamente carregam consigo muitas fotografias de histórias de famílias, seus pertences. Todos com seus significados. Nunca saberemos. Toda a família tem seus segredos familiares, como afirma a Psicologia. Fazem parte da construção de suas histórias e identidade enquanto grupo social..As vítimas das enchentes tem agora mais este capítulo triste.. traumático . Jamais esquecerão. Traumas ficam marcados. Cicatrizam... mas a marca está presente.. de forma definitiva, como um quelóide que nunca desaparecerá.